sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Os passos de um futuro pensador

Rafael Cerqueira de Souza

Tudo começou numa certo dia ali atrás como diria Diblaim. Coisas novas que iriam surgir ou empecilhos antigos que iriam começar a desaparecer. Nada sabia, afinal tudo era novo. Cada dia um surpresa desafiadora. Todo dia uma barreira a ser vencida. Fases e fases que foram passando sem me dar conta de tudo o que estava ocorrendo. Fase do encanto, fase da satisfação, fase do medo, fase da decepção, fase da angústia, fase do orgulho, fase da preguiça, enfim, fases.

Bastava um pequeno erro, e o pensamento logo surgia: “O quê que eu vim fazer aqui”. Porém, como muitos dizem, nada como um dia após o outro. E parece que isso é mesmo verdade. Além disso, penso eu, só errando que se consegue aprender. E assim tudo foi melhorando. Mas como nada é perfeito, sempre tem que ter um “pequeno” detalhe para atrapalhar. Uma tal de física vivia complicando a minha vida. Seguindo em frente, não podia desanimar, apesar de não terem faltado motivos para que isso acontecesse.

Evolução, como definir essa palavra tão curta em tamanho, mas tão grande em significado para a própria vida humana. Basta olhar ao redor de mim mesmo para perceber o quanto evoluí durante esses quase dez meses de aula. Dez meses de português, ou melhor, linguagem. Linguagem essa que não servia apenas para a tão famosa gramática, a mais apreciada entre os “chefes” da extensão de minha própria casa. Mas a linguagem da vida, a que nos faz pensar o mundo através dos recursos que foram oferecidos durante as aulas. Livros, filmes, teatros, recitais, enfim. Várias e várias séries de preciosidades que só fizeram acrescentar positivamente o nosso saber. O saber de verdade. O saber negro, o saber branco, o entender branco, o entender negro. Que nada mais eram que um saber só, um saber único e poderoso.

Jamais em meus 15 anos de vida, pude presenciar momentos tão produtivos. Várias pessoas, vários pensamentos, várias vidas. Enfim, um só aprendizado. Uns souberam aproveitar melhor, outros nem tanto. Mas todos, sem exceções, puderam sentir pelo menos uma vez, o prazer do saber, do poder, do querer, do realizar. Muitos tentaram atrapalhar, mais nossa vontade foi mais forte. Independente de termos ganhado ou perdido, o mais importante é que tentamos plantar a primeira semente de muitas que virão a surgir naquele colégio público, que para algumas pedras no meio do caminho podia até se passar por particular. Mas “ingênuas” e “medíocres” as mentes dos que ainda acreditam nesta fatídica idéia vazia. Uma frase de Che me faz refletir sobre isso: os poderosos podem matar uma, duas, três flores, mas jamais deterão a primavera. Não que essas pedras sejam criminosas.

A questão negra nunca foi pensada antes por mim. Percebi nesse ano, já bem tardiamente, o quanto eu sou negro. O quanto todos os brasileiros são negros. Somos negros, somos brancos, somos índios, somos uma raça única e exemplar entre a humanidade. Uma mistura de povos que deu origem a essa tão rara e especial raça brasileira. Raça da alegria, raça do carnaval, raça da desigualdade, raça do futebol. Enfim, títulos não faltam para o “País do Futuro”. E assim, vamos levando a vida, bem do “jeitinho brasileiro”, aquele único e especial. Comum tanto aos pobres quanto aos ricos.
O ano mais uma vez está acabando, e com ele uma série de outras coisas estão indo juntos. Coisas que serão esquecidas e coisas que serão guardadas para sempre. Os esforços feitos valeram à pena, os “micos” pagos valeram mais ainda. A convivência entre os alunos de diferentes salas foi uma experiência singular. Todos com seu jeito de ser. Alguns que adoro, outros que não gosto, alguns que admiro, outros que invejo, alguns que respeito, outros que desprezo. Mas ambos com uma só condição. Todos estudantes a procura do saber, da cultura, do ouvir, do falar e do fazer.

Um ano novo virá, um novo professor chegará. Um novo Alexandre quem sabe. Não era esse o planejado, mas se aconteceu o respeito prevalecerá. O mais importante já adquirimos. Já sabemos o valor da cultura, da aprendizagem, não aquela que se obtém trancafiado numa sala de aula apenas, mas aquela que se tem em uma simples peça de teatro ou seção de cinema. O mundo da critica produtiva se abriu para mim, assim como o mundo da própria linguagem como um todo. Ainda estou só no começo da trilha, mas se tudo ocorrer como planejo, logo me tornarei um pleno pensador.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Pequenas visões do mundo atual: Do essencial ao dispensável

Rafael Cerqueira

Hoje elas estão em toda parte. Desde os grandes centros urbanos até as pequenas cidades do interior. De todos os modelos e tamanhos possíveis até então, as câmeras conseguem registrar imagens e vídeos dos mais inusitados. Porém o maior motivo para a tão “popular” aquisição dessas pequenas e poderosas “máquinas modernas” continua sendo a segurança. Seja da população (das classes mais favorecidas), em suas casas, ou dos grandes estabelecimentos e empresas.

É impossível não reconhecer que essas câmeras são muito úteis quanto à questão da segurança, como forma de evitar um ato punível ou facilitar o reconhecimento dos que cometeram esse mesmo ato. Mas é mais impossível ainda não mencionar a restrição de privacidade que as mesmas causam a população. Para agravar essa falta de privacidade gerada, as câmeras contam nos “tempos modernos” com a incomparável ajuda da internet como meio de auto-divulgação simultânea dos arquivos obtidos.

Endereços da web já muito populares entre os usuários são pontos certos de entretenimento. O youtube, site de divulgação de vídeos é hoje talvez o mais usado para tal atividade. Isso não significa que tudo o que é postado lá é benéfico para os usuários. Materiais muitas vezes proibidos circulam livremente pela página com a maior facilidade. Outro grande exemplo dessa falta de privacidade atual é o Orkut. Supostamente uma página de encontro entre internautas que buscam compartilhar um pouco de suas vidas com os demais. Fotos, vídeos e informações pessoais, muitas vezes desnecessárias de serem postadas, são trocadas diariamente entre os milhões de pessoas pelo mundo que são adeptas desse tipo atividade virtual. Além desses, muitos são os outros exemplos cabíveis a esse tema.

Todos esse eventos acontecem, no caso específico do Brasil, devido a um certo despreparo do governo brasileiro em lhe dar com um meio relativamente novo a vida de seus habitantes(isso não significa que só o Brasil está sujeito a isso). Leis ainda que necessárias não funcionam quando não são cumpridas corretamente pelos que deveriam segui-las. Leis que funcionam, mas que são pouco eficientes no combate a certos tipos de infrações virtuais ou leis que deveriam, mas não foram propostas e estabelecidas pelo governo também não ajudam em praticamente nada no controle da falta de privacidade observada nesses meios virtuais.

Ao falar em entretenimento e exposição é quase impossível não citar o reality global “Big Brother Brasil” que mostra o cotidiano de um pequeno grupo de pessoas até então desconhecidas que passam a viver em uma casa tendo que dividir um mesmo teto. Ao saber da alta audiência que esse tipo de programa proporciona, as grandes emissoras de TV cultivam essa programação por longos períodos. Tudo não passa, porém de um grande circo de exposições montado para causar uma espécie de alívio aos telespectadores que ao verem esses realities passam a ter a oportunidade de se divertirem com os problemas, deveres e diversões dos outros, sabendo que muitas outras pessoas estão fazendo a mesma coisa no mesmo momento.

Voltando ao assunto “câmeras” de uma forma mais direta, é interessante citar a “vida teatral” que uma pequena peça pode proporcionar ao observado. Muitas pessoas se sentem acuadas ao perceberem uma câmera na rua ou em algum estabelecimento e passam a agir de uma forma contrária a anterior. Isso pode ser interpretado até mesmo como uma autodefesa da população perante um objeto que pode vir a causar alguma inconveniência a alguém em determinado momento.

Independente de câmeras ou não, sabe-se que a vida nos dias atuais é observada constantemente pelo próprio sistema produtivo. Sistema esse que controla o mundo sem nem mesmo observá-lo direta e necessariamente por câmeras. O incremento destas serve muito mais como forma de manutenção desses e de outros sistemas incrementados no cotidiano da população mundial diariamente.

Enfim, antes de analisar os efeitos positivos e negativos das câmeras, dos programas ou páginas de convivência na web é preciso ter noção de que o próprio homem ou mulher do século XXI tem a necessidade de se expor ou ver alguma exposição do outro, além de estarem “seguros de sua própria segurança” e bem-estar social. Além disso, basta saber que tudo o que é criado na perspectiva de garantir a segurança ou o bem-estar social citados acima se baseia na insatisfação e insegurança humana quanto a sua condição, visando sempre o “melhoramento” do já existente. Isso pode sim ser bom, mas por outro lado pode causar um ciclo vicioso de destruição e esquecimento do necessário para a criação e supervalorização do dispensável que passa a se tornar mascaradamente essencial.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Diário

Rafael Cerqueira


Lembro-me como se fosse hoje, apesar da minha pouca memória. Há muito tempo atrás, no ano de 1958, eu tinha apenas dez anos, três homens invadiram minha casa numa noite fria, papai tentando nos proteger, acabou morrendo ao lutar com aqueles monstros. Quase não deu pra chorar a trágica perda de meu pai, pouco tempo depois mamãe e eu descobrimos que aquela morte havia sido encomendada por um policial, que ficou sabendo que o assassinato que ele tinha cometido tinha sido presenciado por um infeliz que decidirá contar tudo o que havia ocorrido aos investigadores do caso. Infelizmente aquele infeliz que havia perdido a vida por ter tido o azar de estar no lugar errado na hora errada era o meu pai.

Abalada e principalmente com medo do que poderia nos acontecer, minha mãe decidiu começar uma nova vida em um novo lugar. Mudamos de cidade, enfim mudamos de vida. No início foi muito difícil, em plena década de 50, uma mulher como minha mãe, educada exclusivamente para casar, ter filhos e cuidar de seus afazeres domésticos, não imaginava o que fazer para sobreviver sem um homem dentro do lar. Tivemos sorte, pois há aproximadamente cinco anos atrás, meus pais começaram a guardar um pouco do dinheiro mensal da família para caso houvesse alguma emergência. Com isso nós duas conseguimos nos sustentar nos primeiros sete meses da “nova vida”. Depois que ele havia acabado toda a tranqüilidade dos últimos meses tinha ido embora. Mamãe então, resolvendo aproveitar o que ela melhor sabia fazer, segundo suas antigas amigas, deu início a uma pequena confecção que em cima de muitas dificuldades conseguiu dar algum lucro para podermos dar continuidade a uma vida normal.

Assim levamos a vida por um bom tempo. Quando eu estava com 20 anos, a notícia que eu menos queria ouvir soou em meus ouvidos como uma bomba fatal. Minha mãe, minha única companheira, a pessoa que sempre esteve do meu lado nos bons e maus momentos, faleceu no hospital devido a um câncer que nem ela e nem eu sabíamos que havia surgido e se desenvolvido em seu útero, o mesmo que me colocará no mundo. No momento, ainda muito anestesiada pela dor, eu não conseguia pensar como seria a minha vida dali em diante. O que eu iria fazer para dar continuidade a minha vida comum que eu tanta reclamava, mas que só me fez falta quando eu percebi que poderia perdê-la. Depois de ter enterrado, solitária, o corpo da minha mãe, voltei para casa e ao chegar em minha rua comecei a notar que a minha vida mudaria daquele momento em diante.

Uma mulher como eu no ano de 1968, em plena Ditadura Militar, sozinha, sem saber o que fazer e ainda negra, coisa que para muita gente era um fardo a ser carregado e para outros era uma desgraça a ser banida. Nunca me arrependi tanto de uma coisa como de não ter aprendido a costurar com minha mãe. Agora se tivesse aprendido, eu poderia dar continuidade ao trabalho que ela começou e não precisaria ficar tão preocupada com o meu futuro. Além disso, eu não me acostumara com a idéia de ser uma pessoa sozinha no mundo. Tanto meu pai quanto minha mãe nasceram em famílias pequenas e todos morreram antes que o meu pai.

Devido a minha situação, recebi ajuda de alguns vizinhos que tinham alguma relação com minha mãe. Minha situação não ficou tão ruim devido a essas pessoas, mas à medida que os dias iam passando eu percebia que aquela situação ia ficando cada vez mais insustentável, pois aquelas pessoas eram tão pobres quanto eu. Penso que estava me tornando um fardo para eles. E, além disso, a minha ambição não permitia que eu ficasse naquela cidadezinha para sempre. A normalidade da minha vida, que era uma boa coisa até pouco tempo atrás começava a me incomodar desde a morte da minha mãe.

Um dia sem avisar nada para ninguém e sem agradecer quem tia me ajudado, resolvi ir embora daquele lugar. Consegui um bom dinheiro vendendo a minha casa e os poucos objetos de valor que tinham nela, inclusive a máquina de costura que um dia havia me sustentado. Fiquei apenas com minhas roupas, algumas fotos dos meus pais e um par de brincos que minha mãe tanto tinha trabalhado para comprar quando eu fiz 15 anos. Só decidi para onde iria alguns minutos antes de entrar no ônibus, voltaria para a cidade que eu sai as pressas a nove anos atrás. Mal sabia eu, mas minha vida iria mudar completamente a partir daquele momento, e infelizmente para pior.

Ao chegar na minha nova velha cidade, tudo havia mudado. Não era mais aquela menina do interior que vivia de acordo com as decisões de sua mãe. Agora era uma jovem mulher que teria que batalhar dia a dia para conseguir alguma coisa numa grande cidade, cheia de gente e de perigos. Aluguei um quarto numa antiga pensão do centro da cidade. O trabalho foi mais difícil conseguir, demorei semanas e semanas para achar uma vaga de garçonete numa lanchonete do subúrbio, que ficava bem longe da minha nova casa. Segundo a dona da pensão que eu morava, uma moça como eu devia agradecer a Deus por ter conseguido um lugar para morar e um canto para trabalhar em plena época de reações ao regime militar. Sabia, porém, que na verdade todo o espanto daquela mulher era em relação a uma jovem negra e pobre como eu ter conseguido se estabilizar tão rapidamente em uma cidade tão grande.

A estabilidade que eu tanto queria, já havia conseguido. Mas a minha satisfação não estava totalmente completa. Ser garçonete com certeza não era o que eu queria para a minha vida. Muito pelo contrário, sonhava em ter o ensino superior e ser alguém na vida. Busquei tanto por esse sonho que acabei conseguindo aos 23. Consegui uma bolsa em uma faculdade particular para fazer administração. Sofri muito preconceito, tanto dos meus colegas quanto dos próprios professores da faculdade. Na minha sala, de trinta e cinco alunos, era uma das onze mulheres, e dessas onze mulheres era a única negra. Quatro anos depois, já com 27 anos consegui enfim me formar. O desejo dos meus pais havia se tornado realidade, o meu desejo estava se concretizando.

Um ano antes de me formar, havia deixado de trabalhar na lanchonete. Agora fazia uma espécie de estágio que com a minha especialização com certeza se tornaria um emprego fixo. Isso era o que eu queria que acontecesse, mas até que isso ocorresse foi preciso muita paciência e determinação. Um dia, já sem tanta animação eu fui informada que seria uma das administradoras chefe de uma contadora instalada recentemente na cidade. Parecia irreal, aquilo que eu mais queria estava finalmente acontecendo. Novas idéias e planos começaram a surgir em minha cabeça.

A palavra estabilidade continuava sendo o meu dilema e parecia que agora eu estava ficando cada vez mais confiante de minha capacidade. Todo mês quando eu recebia meu salário, guardava uma parte para algum contratempo. E exatamente quatro anos depois, quando o dono da contadora resolveu vende-la, eu resolvi comprá-la. Agora sendo a dona daquele lugar, muitos colegas de trabalho meus ficaram receosos de trabalha para uma negra, mas isso eu soube controlar e tudo funcionou como eu sempre desejei.

Quando tinha 31 anos, a independência que eu tanto queria já não era mais suficiente. A vontade de ter uma família se tornava cada vez mais crescente. Foi nesse período que conheci a minha eterna parceira. Minha opção sexual já estava decidida. Já havia namorado homens, mas descobri que a pessoa que eu realmente amava era uma mulher. Tentei esconder isso de todas as maneiras, mas cheguei a um ponto onde não dava mais para segurar. Falei para quem quisesse ouvir. E para a minha grata surpresa essa mulher também gostava de mim.

Passamos a conviver juntas numa relação harmoniosa e respeitosa. Eram evidentes as chacotas das pessoas que sabiam da nossa relação, mas não a respeitava. O desejo de ter um filho surgiu nas duas como um só desejo. Porém, o fator biológico não permitia e o fator humano também, pois era quase impossível um casal gay adotar legalmente uma criança naquela época. Levávamos a vida numa boa, mas carregando a culpa de não podermos criar um filho juntas.

Vivemos felizes durante quinze anos seguidos. Muitas brigas aconteceram, como em todo casal. Mas o nosso amor foi mais forte. E até esse trágico dia tudo estava indo bem para mim. Numa tarde do ano de 1994, estava com 46 anos, quando eu e minha companheira viajávamos de carro debaixo de uma forte chuva. Tudo parecia bem até quando ela, que estava dirigindo o veículo, perdeu o controle do carro ao tentar desviar de um outro automóvel que estava vindo na contramão. Fomos direto para uma ribanceira onde o carro capotou várias e várias vezes.

Acordei em cima de uma cama de hospital. Chamei alguém para me ajudar e para a minha surpresa já haviam passado dois meses que o acidente havia ocorrido. Desgraça maior foi saber que o que eu mais temia tinha acontecido. Minha parceira tinha morrido e eu nem mesmo pude enterrá-la. Tive alta do hospital depois de alguns dias e a primeira coisa que eu fiz foi visitar o túmulo dela, o mínimo que eu podia fazer era levar flores para o túmulo de quem eu não vi ser enterrada.

Depois de muito chorar, uma grande preocupação tomou conta de mim. Quem havia tomado conta da minha financeira durante todo esse tempo. Corri para lá, ainda muito abalada com aquela situação, tive um certo alívio ao ver que ela continuava funcionando da mesma maneira que eu tinha deixado a três meses atrás. Uma grande amiga minha e funcionária de confiança havia tomado conta de tudo durante o tempo que estive hospitalizada. Pelo menos uma notícia boa em meio a tanta tragédia, foi o que eu pensei.


Minha vida tomou um novo rumo a partir daquele momento. Minha vontade de ser mãe voltará a toda força. Mas já com 46 anos, engravidar seria uma difícil tarefa. Resolvi retomar o pensamento que eu tive de adotar uma criança. Tinha o pensamento de que seria mais fácil para uma mulher solteira do que para um casal gay adotar uma criança. Mas hoje penso se esse pensamento realmente era correto. Fiquei um ano e dez meses envolvida no processo de adoção de uma garota de 12 anos que havia tido uma história parecida com a minha. Seu pai havia sido assassinado e sua mãe morrera poucos meses depois da tragédia. Finalmente depois desse tempo, já com um ano a mais de vida consegui a tão esperada guarda daquela criança.

Foi difícil tanto para mim quanto para ela adaptarmos-nos aquela nova vida. No começo foi um tanto complicado, a timidez daquela garota impedia uma aproximação maior. Mas com o tempo ela passou a confiar mais em minha e na proteção que eu tinha para oferecer a ela. Foi aí que a vontade de ter alguém para continuar a luta que eu havia começado de ter uma vida melhor surgiu. Agora eu já tinha uma herdeira para fazer com que todo o trabalho que eu tinha realizado para conseguir um lugar no mundo não fosse desperdiçado. No fundo esse meu pensamento tinha um princípio egoísta, mas, além disso, eu queria viver em uma família, e acho que isso era o que ela queria também.

Já aos 52 anos, um novo milênio estava começando. O ano de 2000 foi cheio de surpresas para mim. Minha filha já estava com 17 anos e a nossa vida como mãe e filha já havia se tornado uma realidade contínua. Brigas, reconciliações, ofensas e conselhos eram trocados como se nós fossemos mãe e filha de verdade, aliás, nós éramos exatamente isso. Certa vez tivemos uma grande briga, ela chegou até a ficar um tempo fora de casa e eu pensei se tinha feito a coisa certa em ter adotado aquela garota. Hoje, vejo que foi uma das mais certas decisões da minha vida.
Pensava que mais nada poderia me abalar. Tanto minha vida econômica quanto minha vida social e familiar andavam em alta. Como nunca fui de cuidar muito da saúde, descobri tardiamente um tumor maligno, já bem desenvolvido no meu seio. A lembrança da minha mãe e de sua morte devido a um câncer veio em minha mente no mesmo momento. Será que eu acabaria como ela? Perguntava-me a todo instante. Viverei depois desse momento todos os anos da minha vida como se fosse o último. Não sei quantos serão, mas sei que serão únicos.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Os Laços de Família
Clarice Lispector
A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. A filha, com seus olhos escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria e frieza assistia.— Não esqueci de nada? perguntava pela terceira vez a mãe.— Não, não, não esqueceu de nada, respondia a filha divertida, com paciência.Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado; os bons-dias e as boas-tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. "Perdoe alguma palavra mal dita", dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, a gaguejar - perturbado em ser o bom genro. "Se eu rio, eles pensam que estou louca", pensara Catarina franzindo as sobrancelhas. "Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais um", acrescentara a mãe, e Antônio aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé, observava com malícia o marido, cuja segurança se desvanecera para dar lugar a um homem moreno e miúdo, forçado a ser filho daquela mulherzinha grisalha... Foi então que a vontade de rir tornou-se mais forte. Felizmente nunca precisava rir de fato quando tinha vontade de rir: seus olhos tomavam uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais estrábicos - e o riso saía pelos olhos. Sempre doía um pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra: desde pequena rira pelos olhos, desde sempre fora estrábica.— Continuo a dizer que o menino está magro, disse a mãe resistindo aos solavancos do carro. E apesar de Antônio não estar presente, ela usava o mesmo tom de desafio e acusação que empregava diante dele. Tanto que uma noite Antônio se agitara: não é por culpa minha, Severina! Ele chamava a sogra de Severina, pois antes do casamento projetava serem sogra e genro modernos. Logo à primeira visita da mãe ao casal, a palavra Severina tornara-se difícil na boca do marido, e agora, então, o fato de chamá-la pelo nome não impedira que... - Catarina olhava-os e ria.— O menino sempre foi magro, mamãe, respondeu-lhe. O táxi avançava monótono.— Magro e nervoso, acrescentou a senhora com decisão.— Magro e nervoso, assentiu Catarina paciente. Era um menino nervoso, distraído. Durante a visita da avó tornara-se ainda mais distante, dormira mal, perturbado pelos carinhos excessivos e pelos beliscões de amor da velha. Antônio, que nunca se preocupara especialmente com a sensibilidade do filho, passara a dar indiretas à sogra, "a proteger uma criança” ...— Não esqueci de nada..., recomeçou a mãe, quando uma freada súbita do carro lançou-as uma contra a outra e fez despencarem as malas. — Ah! ah! - exclamou a mãe como a um desastre irremediável, ah! dizia balançando a cabeça em surpresa, de repente envelhecida e pobre. E Catarina?Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha, e também a Catarina acontecera um desastre? seus olhos piscaram surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente possível remediar a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma coisa, seria inútil esconder: Catarina fora lançada contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda do tempo em que se tem pai e mãe. Apesar de que nunca se haviam realmente abraçado ou beijado. Do pai, sim. Catarina sempre fora mais amiga. Quando a mãe enchia-lhes os pratos obrigando-os a comer demais, os dois se olhavam piscando em cumplicidade e a mãe nem notava. Mas depois do choque no táxi e depois de se ajeitarem, não tinham o que falar - por que não chegavam logo à Estação?— Não esqueci de nada, perguntou a mãe com voz resignada.Catarina não queria mais fitá-la nem responder-lhe.— Tome suas luvas! disse-lhe, recolhendo-as do chão.— Ah! ah! minhas luvas! exclamava a mãe perplexa. Só se espiaram realmente quando as malas foram dispostas no trem, depois de trocados os beijos: a cabeça da mãe apareceu na janela.Catarina viu então que sua mãe estava envelhecida e tinha os olhos brilhantes.O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-se no seu chapéu novo, comprado no mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida. Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade deu-lhe à boca um gosto de sangue. Como se "mãe e filha" fosse vida e repugnância. Não, não se podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho na bolsa, e fitava-a sorrindo. O rosto usado e ainda bem esperto parecia esforçar-se por dar aos outros alguma impressão, da qual o chapéu faria parte. A campainha da Estação tocou de súbito, houve um movimento geral de ansiedade, várias pessoas correram pensando que o trem já partia: mamãe! disse a mulher. Catarina! disse a velha. Ambas se olhavam espantadas, a mala na cabeça de um carregador interrompeu-lhes a visão e um rapaz correndo segurou de passagem o braço de Catarina, deslocando-lhe a gola do vestido. Quando puderam ver-se de novo, Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar se não esquecera de nada...— ...não esqueci de nada? perguntou a mãe.— Também a Catarina parecia que haviam esquecido de alguma coisa, e ambas se olhavam atônitas - porque se realmente haviam esquecido, agora era tarde demais. Uma mulher arrastava uma criança, a criança chorava, novamente a campainha da Estação soou... Mamãe, disse a mulher. Que coisa tinham esquecido de dizer uma a outra? e agora era tarde demais. Parecia-lhe que deveriam um dia ter dito assim: sou tua mãe, Catarina. E ela deveria ter respondido: e eu sou tua filha.— Não vá pegar corrente de ar! gritou Catarina.— Ora menina, sou lá criança, disse a mãe sem deixar porém de se preocupar com a própria aparência. A mão sardenta, um pouco trêmula, arranjava com delicadeza a aba do chapéu e Catarina teve subitamente vontade de lhe perguntar se fora feliz com seu pai:— Dê lembranças a titia! gritou.— Sim, sim!— Mamãe, disse Catarina porque um longo apito se ouvira e no meio da fumaça as rodas já se moviam.— Catarina! disse a velha de boca aberta e olhos espantados, e ao primeiro solavanco a filha viu-a levar as mãos ao chapéu: este caíra-lhe até o nariz, deixando aparecer apenas a nova dentadura. O trem já andava e Catarina acenava. O rosto da mãe desapareceu um instante e reapareceu já sem o chapéu, o coque dos cabelos desmanchado caindo em mechas brancas sobre os ombros como as de uma donzela - o rosto estava inclinado sem sorrir, talvez mesmo sem enxergar mais a filha distante.No meio da fumaça Catarina começou a caminhar de volta, as sobrancelhas franzidas, e nos olhos a malícia dos estrábicos. Sem a companhia da mãe, recuperara o modo firme de caminhar: sozinha era mais fácil. Alguns homens a olhavam, ela era doce, um pouco pesada de corpo. Caminhava serena, moderna nos trajes, os cabelos curtos pintados de acaju. E de tal modo haviam-se disposto as coisas que o amor doloroso lhe pareceu a felicidade - tudo estava tão vivo e tenro ao redor, a rua suja, os velhos bondes, cascas de laranja - a força fluia e refluia no seu coração com pesada riqueza. Estava muito bonita neste momento, tão elegante; integrada na sua época e na cidade onde nascera como se a tivesse escolhido. Nos olhos vesgos qualquer pessoa adivinharia o gosto que essa mulher tinha pelas coisas do mundo. Espiava as pessoas com insistência, procurando fixar naquelas figuras mutáveis seu prazer ainda úmido de lágrimas pela mãe. Desviou-se dos carros, conseguiu aproximar-se do ônibus burlando a fila, espiando com ironia; nada impediria que essa pequena mulher que andava rolando os quadris subisse mais um degrau misterioso nos seus dias.O elevador zumbia no calor da praia. Abriu a porta do apartamento enquanto se libertava do chapeuzinho com a outra mão; parecia disposta a usufruir da largueza do mundo inteiro, caminho aberto pela sua mãe que lhe ardia no peito. Antônio mal levantou os olhos do livro. A tarde de sábado sempre fora "sua", e, logo depois da partida de Severina, ele a retomava com prazer, junto à escrivaninha.— "Ela" foi?— Foi sim, respondeu Catarina empurrando a porta do quarto de seu filho. Ah, sim, lá estava o menino, pensou com alívio súbito. Seu filho. Magro e nervoso. Desde que se pusera de pé caminhara firme; mas quase aos quatro anos falava como se desconhecesse verbos: constatava as coisas com frieza, não as ligando entre si. Lá estava ele mexendo na toalha molhada, exato e distante. A mulher sentia um calor bom e gostaria de prender o menino para sempre a este momento; puxou-lhe a toalha das mãos em censura: este menino! Mas o menino olhava indiferente para o ar, comunicando-se consigo mesmo. Estava sempre distraído. Ninguém conseguira ainda chamar-lhe verdadeiramente a atenção. A mãe sacudia a toalha no ar e impedia com sua forma a visão do quarto: mamãe, disse o menino. Catarina voltou-se rápida. Era a primeira vez que ele dizia "mamãe" nesse tom e sem pedir nada. Fora mais que uma constatação: mamãe! A mulher continuou a sacudir a toalha com violência e perguntou-se a quem poderia contar o que sucedera, mas não encontrou ninguém que entendesse o que ela não pudesse explicar. Desamarrotou a toalha com vigor antes de pendurá-la para secar. Talvez pudesse contar, se mudasse a forma. Contaria que o filho dissera: mamãe, quem é Deus. Não, talvez: mamãe, menino quer Deus. Talvez. Só em símbolos a verdade caberia, só em símbolos é que a receberiam. Com os olhos sorrindo de sua mentira necessária, e sobretudo da própria tolice, fugindo de Severina, a mulher inesperadamente riu de fato para o menino, não só com os olhos: o corpo todo riu quebrado, quebrado um invólucro, e uma aspereza aparecendo como uma rouquidão. Feia, disse então o menino examinando-a.— Vamos passear! respondeu corando e pegando-o pela mão.Passou pela sala, sem parar avisou ao marido: vamos sair! e bateu a porta do apartamento.Antônio mal teve tempo de levantar os olhos do livro - e com surpresa espiava a sala já vazia. Catarina! chamou, mas já se ouvia o ruído do elevador descendo. Aonde foram? perguntou-se inquieto, tossindo e assoando o nariz. Porque sábado era seu, mas ele queria que sua mulher e seu filho estivessem em casa enquanto ele tomava o seu sábado. Catarina! chamou aborrecido embora soubesse que ela não poderia mais ouvi-lo. Levantou-se, foi à janela e um segundo depois enxergou sua mulher e seu filho na calçada.Os dois haviam parado, a mulher talvez decidindo o caminho a tomar. E de súbito pondo-se em marcha.Por que andava ela tão forte, segurando a mão da criança? pela janela via sua mulher prendendo com força a mão da criança e caminhando depressa, com os olhos fixos adiante; e, mesmo sem ver, o homem adivinhava sua boca endurecida. A criança, não se sabia por que obscura compreensão, também olhava fixo para a frente, surpreendida e ingênua. Vistas de cima as duas figuras perdiam a perspectiva familiar, pareciam achatadas ao solo e mais escuras à luz do mar. Os cabelos da criança voavam...O marido repetiu-se a pergunta que, mesmo sob a sua inocência de frase cotidiana, inquietou-o: aonde vão? Via preocupado que sua mulher guiava a criança e temia que neste momento em que ambos estavam fora de seu alcance ela transmitisse a seu filho... mas o quê? "Catarina", pensou, "Catarina, esta criança ainda é inocente!" Em que momento é que a mãe, apertando uma criança, dava-lhe esta prisão de amor que se abateria para sempre sobre o futuro homem. Mais tarde seu filho, já homem, sozinho, estaria de pé diante desta mesma janela, batendo dedos nesta vidraça; preso. Obrigado a responder a um morto. Quem saberia jamais em que momento a mãe transferia ao filho a herança. E com que sombrio prazer. Agora mãe e filho compreendendo-se dentro do mistério partilhado. Depois ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem. "Catarina", pensou com cólera, "a criança é inocente!" Tinham porém desaparecido pela praia. O mistério partilhado."Mas e eu? e eu?" perguntou assustado. Os dois tinham ido embora sozinhos. E ele ficara. "Com o seu sábado." E sua gripe. No apartamento arrumado, onde "tudo corria bem". Quem sabe se sua mulher estava fugindo com o filho da sala de luz bem regulada, dos móveis bem escolhidos, das cortinas e dos quadros? fora isso o que ele lhe dera. Apartamento de um engenheiro. E sabia que se a mulher aproveitava da situação de um marido moço e cheio de futuro - deprezava-a também, com aqueles olhos sonsos, fugindo com seu filho nervoso e magro. O homem inquietou-se. Porque não poderia continuar a lhe dar senão: mais sucesso. E porque sabia que ela o ajudaria a consegui-lo e odiaria o que conseguissem. Assim era aquela calma mulher de trinta e dois anos que nunca falava propriamente, como se tivesse vivido sempre. As relações entre ambos eram tão tranqüilas. Às vezes ele procurava humilhá-la, entrava no quarto enquanto ela mudava de roupa porque sabia que ela detestava ser vista nua. Por que precisava humilhá-la? no entanto ele bem sabia que ela só seria de um homem enquanto fosse orgulhosa. Mas tinha se habituado a torna-la feminina deste modo: humilhava-a com ternura, e já agora ela sorria - sem rancor? Talvez de tudo isso tivessem nascido suas relações pacíficas, e aquelas conversas em voz tranqüila que faziam a atmosfera do lar para a criança. Ou esta se irritava às vezes? Às vezes o menino se irritava, batia os pés, gritava sob pesadelos. De onde nascera esta criaturinha vibrante, senão do que sua mulher e ele haviam cortado da vida diária. Viviam tão tranqüilos que, se se aproximava um momento de alegria, eles se olhavam rapidamente, quase irônicos, e os olhos de ambos diziam: não vamos gastá-lo, não vamos ridiculamente usá-lo. Como se tivessem vívido desde sempre.Mas ele a olhara da janela, vira-a andar depressa de mãos dadas com o filho, e dissera-se: ela está tomando o momento de alegria - sozinha. Sentira-se frustrado porque há muito não poderia viver senão com ela. E ela conseguia tomar seus momentos - sozinha. Por exemplo, que fizera sua mulher entre o trem e o apartamento? não que a suspeitasse mas inquietava-se.A última luz da tarde estava pesada e abatia-se com gravidade sobre os objetos. As areias estalavam secas. O dia inteiro estivera sob essa ameaça de irradiação. Que nesse momento, sem rebentar, embora, se ensurdecia cada vez mais e zumbia no elevador ininterrupto do edifício. Quando Catarina voltasse eles jantariam afastando as mariposas. O menino gritaria no primeiro sono, Catarina interromperia um momento o jantar... e o elevador não pararia por um instante sequer?! Não, o elevador não pararia um instante.— "Depois do jantar iremos ao cinema", resolveu o homem. Porque depois do cinema seria enfim noite, e este dia se quebraria com as ondas nos rochedos do Arpoador.
Suicídio na granja
Lygia Fagundes Telles
Alguns se justificam e se despedem através de cartas, telefonemas ou pequenos gestos — avisos que podem ser mascarados pedidos de socorro. Mas há outros que se vão no mais absoluto silêncio. Ele não deixou nem ao menos um bilhete?, fica perguntando a família, a amante, o amigo, o vizinho e principalmente o cachorro que interroga com um olhar ainda mais interrogativo do que o olhar humano, E ele?!Suicídio por justa causa e sem causa alguma e aí estaria o que podemos chamar de vocação, a simples vontade de atender ao chamado que vem lá das profundezas e se instala e prevalece. Pois não existe a vocação para o piano, para o futebol, para o teatro. Ai!... para a política. Com a mesma força (evitei a palavra paixão) a vocação para a morte. Quando justificada pode virar uma conformação, Tinha os seus motivos! diz o próximo bem informado. Mas e aquele suicídio que (aparentemente) não tem nenhuma explicação? A morte obscura, que segue veredas indevassáveis na sua breve ou longa trajetória.Pela primeira vez ouvi a palavra suicídio quando ainda morava naquela antiga chácara que tinha um pequeno pomar e um jardim só de roseiras. Ficava perto de um vilarejo cortado por um rio de águas pardacentas, o nome do vilarejo vai ficar no fundo desse rio. Onde também ficou o Coronel Mota, um fazendeiro velho (todos me pareciam velhos) que andava sempre de terno branco, engomado. Botinas pretas, chapéu de abas largas e aquela bengala grossa com a qual matava cobras. Fui correndo dar a notícia ao meu pai, O Coronel encheu o bolso com pedras e se pinchou com roupa e tudo no rio! Meu pai fez parar a cadeira de balanço, acendeu um charuto e ficou me olhando. Quem disse isso? Tomei o fôlego: Me contaram no recreio. Diz que ele desceu do cavalo, amarrou o cavalo na porteira e foi entrando no rio e enchendo o bolso com pedra, tinha lá um pescador que sabia nadar, nadou e não viu mais nem sinal dele.Meu pai baixou a cabeça e soltou a baforada de fumaça no ladrilho: Que loucura. No ano passado ele já tinha tentado com uma espingarda que falhou, que loucura! Era um cristão e um cristão não se suicida, ele não podia fazer isso, acrescentou com impaciência. Entregou-me o anel vermelho-dourado do charuto. Não podia fazer isso!Enfiei o anel no dedo, mas era tão largo que precisei fechar a mão para retê-lo. Mimoso veio correndo assustado. Tinha uma coisa escura na boca e espirrava, o focinho sujo de terra. Vai saindo, vai saindo!, ordenei fazendo com que voltasse pelo mesmo caminho, a conversa agora era séria. Mas pai, por que ele se matou, por quê?! fiquei perguntando. Meu pai olhou o charuto que tirou da boca. Soprou de leve a brasa: Muitos se matam por amor mesmo. Mas tem outros motivos, tantos motivos, uma doença sem remédio. Ou uma dívida. Ou uma tristeza sem fim, às vezes começa a tristeza lá dentro e a dor na gaiola do peito é maior ainda do que a dor na carne. Se a pessoa é delicada, não agüenta e acaba indo embora! Vai embora, ele repetiu e levantou-se de repente, a cara fechada, era o sinal: quando mudava de posição a gente já sabia que ele queria mudar de assunto. Deu uma larga passada na varanda e apoiou-se na grade de ferro como se quisesse examinar melhor a borboleta voejando em redor de uma rosa. Voltou-se rápido, olhando para os lados. E abriu os braços, o charuto preso entre os dedos: Se matam até sem motivo nenhum, um mistério, nenhum motivo! repetiu e foi saindo da varanda. Entrou na sala. Corri atrás. Quem se mata vai pro inferno, pai? Ele apagou o charuto no cinzeiro e voltou-se para me dar o pirulito que eu tinha esquecido em cima da mesa. O gesto me animou, avancei mais confiante: E bicho, bicho também se mata? Tirando o lenço do bolso ele limpou devagar as pontas dos dedos: Bicho, não, só gente.Só gente? — eu perguntei a mim mesma muitos e muitos anos depois, quando passava as férias de dezembro numa fazenda. Atrás da casa-grande tinha uma granja e nessa granja encontrei dois amigos inseparáveis, um galo branco e um ganso também branco mas com suaves pinceladas cinzentas nas asas. Uma estranha amizade, pensei ao vê-los por ali, sempre juntos. Uma estranhíssima amizade. Mas não é a minha intenção abordar agora problemas de psicologia animal, queria contar apenas o que vi. E o que vi foi isso, dois amigos tão próximos, tão apaixonados, ah! como conversavam em seus longos passeios, como se entendiam na secreta linguagem de perguntas e respostas, o diálogo. Com os intervalos de reflexão. E alguma polêmica mas com humor, não surpreendi naquela tarde o galo rindo? Pois é, o galo. Esse perguntava com maior freqüência, a interrogação acesa nos rápidos movimentos que fazia com a cabeça para baixo, e para os lados, E então? O ganso respondia com certa cautela, parecia mais calmo, mais contido quando abaixava o bico meditativo, quase repetindo os movimentos da cabeça do outro mas numa aura de maior serenidade. Juntos, defendiam-se contra os ataques, não é preciso lembrar que na granja travavam-se as mesmas pequenas guerrilhas da cidade logo adiante, a competição. A intriga. A vaidade e a luta pelo poder, que luta! Essa ânsia voraz que atiçava os grupos, acesa a vontade de ocupar um espaço maior, de excluir o concorrente, época de eleições? E os dois amigos sempre juntos. Atentos. Eu os observava enquanto trocavam pequenos gestos (gestos?) de generosidade nos seus infindáveis passeios pelo terreiro, Hum! olha aqui esta minhoca, sirva-se à vontade, vamos, é sua! — dizia o galo a recuar assim de banda, a crista encrespada quase sangrando no auge da emoção. E o ganso mais tranqüilo (um fidalgo) afastando-se todo cerimonioso, pisando nas titicas como se pisasse em flores, Sirva-se você primeiro, agora é a sua vez! E se punham tão hesitantes que algum frango insolente, arvorado a juiz, acabava se metendo no meio e numa corrida desenfreada levava no bico o manjar. Mas nem o ganso com seus olhinhos redondamente superiores nem o galo flamante — nenhum dos dois parecia dar maior atenção ao furto. Alheios aos bens terreirais, desligados das mesquinharias de uma concorrência desleal, prosseguiam o passeio no mesmo ritmo, nem vagaroso nem apressado, mas digno, ora, minhocas!Grandes amigos, hem?, comentei certa manhã com o granjeiro que concordou tirando o chapéu e rindo, Eles comem aqui na minha mão!Foi quando achei que ambos mereciam um nome assim de acordo com suas nobres figuras, e ao ganso, com aquele andar de pensador, as brancas mãos de penas cruzadas nas costas, dei o nome de Platão. Ao galo, mais questionador e mais exaltado como todo discípulo, eu dei o nome de Aristóteles.Até que um dia (também entre os bichos, um dia) houve o grande jantar na fazenda e do qual não participei. Ainda bem. Quando voltei vi apenas o galo Aristóteles a vagar sozinho e completamente desarvorado, os olhinhos suplicantes na interrogação, o bico entreaberto na ansiedade da busca, Onde, onde?!... Aproximei-me e ele me reconheceu. Cravou em mim um olhar desesperado, Mas onde ele está?! Fiz apenas um aceno ou cheguei a dizer-lhe que esperasse um pouco enquanto ia perguntar ao granjeiro: Mas e aquele ganso, o amigo do galo?!Para que prosseguir, de que valem os detalhes? Chegou um cozinheiro lá de fora, veio ajudar na festa, começou a contar o granjeiro gaguejando de emoção. Eu tinha saído, fui aqui na casa da minha irmã, não demorei muito mas esse tal de cozinheiro ficou apavorado com medo de atrasar o jantar e nem me esperou, escolheu o que quis e na escolha, acabou levando o coitado, cruzes!... Agora esse daí ficou sozinho e procurando o outro feito tonto, só falta falar esse galo, não come nem bebe, só fica andando nessa agonia! Mesmo quando canta de manhãzinha me representa que está rouco de tanto chorar.Foi o banquete de Platão, pensei meio nauseada com o miserável trocadilho. Deixei de ir à granja, era insuportável ver aquele galo definhando na busca obstinada, a crista murcha, o olhar esvaziado. E o bico, aquele bico tão tagarela agora pálido, cerrado. Mais alguns dias e foi encontrado morto ao lado do tanque onde o companheiro costumava se banhar. No livro do poeta Maiakóvski (matou-se com um tiro) há um verso que serve de epitáfio para o galo branco: Comigo viu-se doida a anatomia / sou todo um coração!
Gente enquanto eu não faço nenhum texto meu, vou publicar alguns textos maravilhosos de alguns autores fantásticos!! Aproveitem, pois são brilhantes!!


O Empréstimo
Machado de Assis
Vou divulgar uma anedota, mas uma anedota no genuíno sentido do vocábulo, que o vulgo ampliou às historietas de pura invenção. Esta é verdadeira; podia citar algumas pessoas que a sabem tão bem como eu. Nem ela andou recôndita, senão por falta de um espírito repousado, que lhe achasse a filosofia. Como deveis saber, há em todas as coisas um sentido filosófico. Carlyle descobriu o dos coletes, ou, mais propriamente, o do vestuário; e ninguém ignora que os números, muito antes da loteria do Ipiranga, formavam o sistema de Pitágoras. Pela minha parte creio ter decifrado este caso de empréstimo; ides ver se me engano.
E, para começar, emendemos Sêneca. Cada dia, ao parecer daquele moralista, é, em si mesmo, uma vida singular; por outros termos, uma vida dentro da vida. Não digo que não; mas por que não acrescentou ele que muitas vezes uma só hora é a representação de uma vida inteira? Vede este rapaz: entra no mundo com uma grande ambição, uma pasta de ministro, um Banco, uma coroa de visconde, um báculo pastoral. Aos cinqüenta anos, vamos achá-lo simples apontador de alfândega, ou sacristão da roça. Tudo isso que se passou em trinta anos, pode algum Balzac metê-lo em trezentas páginas; por que não há de a vida, que foi a mestra de Balzac, apertá-lo em trinta ou sessenta minutos?
Tinham batido quatro horas no cartório do tabelião Vaz Nunes, à rua do Rosário. Os escreventes deram ainda as últimas penadas: depois limparam as penas de ganso na ponta de seda preta que pendia da gaveta ao lado; fecharam as gavetas, concertaram os papéis, arrumaram os livros, lavaram as mãos; alguns que mudavam de paletó à entrada, despiram o do trabalho e enfiaram o da rua; todos saíram. Vaz Nunes ficou só.
Este honesto tabelião era um dos homens mais perspicazes do século. Está morto: podemos elogiá-lo à vontade. Tinha um olhar de lanceta, cortante e agudo. Ele adivinhava o caráter das pessoas que o buscavam para escriturar os seus acordos e resoluções; conhecia a alma de um testador muito antes de acabar o testamento; farejava as manhas secretas e os pensamentos reservados. Usava óculos, como todos os tabeliães de teatro; mas, não sendo míope, olhava por cima deles, quando queria ver, e através deles, se pretendia não ser visto. Finório como ele só, diziam os escreventes. Em todo o caso, circunspecto. Tinha cinqüenta anos, era viúvo, sem filhos, e, para falar como alguns outros serventuários, roía muito caladinho os seus duzentos contos de réis.
- Quem é? perguntou ele de repente olhando para a porta da rua.
Estava à porta, parado na soleira, um homem que ele não conheceu logo, e mal pôde reconhecer daí a pouco. Vaz Nunes pediu-lhe o favor de entrar; ele obedeceu, cumprimentou-o, estendeu-lhe a mão, e sentou-se na cadeira ao pé da mesa. Não trazia o acanho natural a um pedinte; ao contrário, parecia que não vinha ali senão para dar ao tabelião alguma coisa preciosíssima e rara. E, não obstante, Vaz Nunes estremeceu e esperou.
- Não se lembra de mim?
- Não me lembro...
- Estivemos juntos uma noite, há alguns meses, na Tijuca... Não se lembra? Em casa do Teodorico, aquela grande ceia de Natal; por sinal que lhe fiz uma saúde... Veja se se lembra do Custódio.
- Ah!
Custódio endireitou o busto, que até então inclinara um pouco. Era um homem de quarenta anos. Vestia pobremente, mas escovado, apertado, correto. Usava unhas longas, curadas com esmero, e tinha as mãos muito bem talhadas, macias, ao contrário da pele do rosto, que era agreste. Notícias mínimas, e aliás necessárias ao complemento de um certo ar duplo que distinguia este homem, um ar de pedinte e general. Na rua, andando, sem almoço e sem vintém, parecia levar após si um exército. A causa não era outra mais do que o contraste entre a natureza e a situação, entre a alma e a vida. Esse Custódio nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho. Tinha o instinto das elegâncias, o amor do supérfluo, da boa chira, das belas damas, dos tapetes finos, dos móveis raros, um voluptuoso, e, até certa ponto, um artista, capaz de reger a vila Torloni ou a galeria Hamilton. Mas não tinha dinheiro; nem dinheiro, nem aptidão ou pachorra de o ganhar; por outro lado, precisava viver. Il faut bien que je vive, dizia um pretendente ao ministro Talleyrand. Je n'en vois pas la nécessité, redargüiu friamente o ministro. Ninguém dava essa resposta ao Custódio; davam-lhe dinheiro, um dez, outro cinco, outro vinte mil-réis, e de tais espórtulas é que ele principalmente tirava o albergue e a comida.
Digo que principalmente vivia delas, porque o Custódio não recusava meter-se em alguns negócios, com a condição de os escolher, e escolhia sempre os que não prestavam para nada. Tinha o faro das catástrofes. Entre vinte empresas, adivinhava logo a insensata, e metia ombros a ela, com resolução. O caiporismo, que o perseguia, fazia com que as dezenove prosperassem, e a vigésima lhe estourasse nas mãos. Não importa; aparelhava-se para outra.
Agora, por exemplo, leu um anúncio de alguém que pedia um sócio, com cinco contos de réis, para entrar em certo negócio, que prometia dar, nos primeiros seis meses, oitenta a cem contos de lucro. Custódio foi ter com o anunciante. Era uma grande idéia, uma fábrica de agulhas, indústria nova, de imenso futuro. E os planos, os desenhos da fábrica, os relatórios de Birmingham, os mapas de importação, as respostas dos alfaiates, dos donos de armarinho, etc., todos os documentos de um longo inquérito passavam diante dos olhos de Custódio, estrelados de algarismos, que ele não entendia, e que por isso mesmo lhe pareciam dogmáticos. Vinte e quatro horas; não pedia mais de vinte e quatro horas para trazer os cinco contos. E saiu dali, cortejado, animado pelo anunciante, que, ainda à porta, o afogou numa torrente de saldos. Mas os cinco contos, menos dóceis ou menos vagabundos que os cinco mil-réis, sacudiam incredulamente a cabeça, e deixavam-se estar nas arcas, tolhidos de medo e de sono. Nada. Oito ou dez amigos, a quem falou, disseram-lhe que nem dispunham agora da soma pedida, nem acreditavam na fábrica. Tinha perdido as esperanças, quando aconteceu subir a rua do Rosário e ler no portal de um cartório o nome de Vaz Nunes. Estremeceu de alegria; recordou a Tijuca, as maneiras do tabelião, as frases com que ele lhe respondeu ao brinde, e disse consigo que este era o salvador da situação.
- Venho pedir-lhe uma escritura...
Vaz Nunes, armado para outro começo, não respondeu: espiou para cima dos óculos e esperou.
- Uma escritura de gratidão, explicou o Custódio; venho pedir-lhe um grande favor, um favor indispensável, e conto que o meu amigo...
- Se estiver nas minhas mãos...
- O negócio é excelente, note-se bem; um negócio magnífico. Nem eu me metia a incomodar os outros sem certeza do resultado. A coisa está pronta; foram já encomendas para a Inglaterra; e é provável que dentro de dois meses esteja tudo montado, é uma indústria nova. Somos três sócios, a minha parte são cinco contos. Venho pedir-lhe esta quantia, a seis meses, - ou a três, com juro módico...
- Cinco contos?
- Sim, senhor.
- Mas, Sr. Custódio, não disponho de tão grande quantia. Os negócios andam mal; e ainda que andassem muito bem, não poderia dispor de tanto. Quem é que pode esperar cinco contos de um modesto tabelião de notas?
- Ora, se o senhor quisesse...
- Quero, decerto; digo-lhe que se se tratasse de uma quantia pequena, acomodada aos meus recursos, não teria dúvida em adiantá-la. Mas cinco contos! Creia que é impossível.
A alma do Custódio caiu de bruços. Subira pela escada de Jacó até o céu; mas em vez de descer como os anjos no sonho bíblico, rolou abaixo e caiu de bruços. Era a última esperança; e justamente por ter sido inesperada, é que ele supôs que fosse certa, pois, como todos os corações que se entregam ao regime do eventual, o do Custódio era supersticioso. O pobre-diabo sentiu enterrarem-se-lhe no corpo os milhões de agulhas que a fábrica teria de produzir no primeiro semestre. Calado, com os olhos no chão, esperou que o tabelião continuasse, que se compadecesse, que lhe desse alguma aberta; mas o tabelião, que lia isso mesmo na alma do Custódio, estava também calado, girando entre os dedos a boceta de rapé, respirando grosso, com um certo chiado nasal e implicante. Custódio ensaiou todas as atitudes; ora pedinte, ora general. O tabelião não se mexia. Custódio ergueu-se.
- Bem, disse ele, com uma pontazinha de despeito, há de perdoar o incômodo...
- Não há que perdoar; eu é que lhe peço desculpa de não poder servi-lo, como desejava. Repito: se fosse alguma quantia menos avultada, não teria dúvida; mas...
Estendeu a mão ao Custódio, que com a esquerda pegara maquinalmente no chapéu. O olhar empanado do Custódio exprimia a absorção da alma dele, apenas convalescida da queda que lhe tirara as últimas energias. Nenhuma escada misteriosa, nenhum céu; tudo voara a um piparote do tabelião. Adeus, agulhas! A realidade veio tomá-lo outra vez com as suas unhas de bronze. Tinha de voltar ao precário, ao adventício, às velhas contas, com os grandes zeros arregalados e os cifrões retorcidos à laia de orelhas, que continuariam a fitá-lo e a ouvi-lo, a ouvi-lo e a fitá-lo, alongando para ele os algarismos implacáveis de fome. Que queda! e que abismo! Desenganado, olhou para o tabelião com um gesto de despedida; mas, uma idéia súbita clareou-lhe a noite do cérebro. Se a quantia fosse menor, Vaz Nunes poderia servi-lo, e com prazer; por que não seria uma quantia menor? Já agora abria mão da empresa; mas não podia fazer o mesmo a uns aluguéis atrasados, a dois ou três credores, etc., e uma soma razoável, quinhentos mil-réis, por exemplo, uma vez que o tabelião tinha a boa vontade de emprestar-lhos, vinham a ponto. A alma do Custódio empertigou-se; vivia do presente, nada queria saber do passado, nem saudades, nem temores, nem remorsos. O presente era tudo. O presente eram os quinhentos mil-réis, que ele ia ver surdir da algibeira do tabelião, como um alvará de liberdade.
- Pois bem, disse ele, veja o que me pode dar, e eu irei ter com outros amigos... Quanto?
- Não posso dizer nada a este respeito, porque realmente só uma coisa muito modesta.
- Quinhentos mil-réis?
- Não; não posso.
- Nem quinhentos mil-réis?
- Nem isso, replicou firme o tabelião. De que se admira? Não lhe nego que tenho algumas propriedades; mas, meu amigo, não ando com elas no bolso; e tenho certas obrigações particulares... Diga-me, não está empregado?
- Não, senhor.
- Olhe; dou-lhe coisa melhor do que quinhentos mil-réis; falarei ao ministro da justiça, tenho relações com ele, e...
Custódio interrompeu-o, batendo uma palmada no joelho. Se foi um movimento natural, ou uma diversão astuciosa para não conversar do emprego, é o que totalmente ignoro; nem parece que seja essencial ao caso. O essencial é que ele teimou na súplica. Não podia dar quinhentos mil-réis? Aceitava duzentos; bastavam-lhe duzentos, não para a empresa, pois adotava o conselho dos amigos: ia recusá-la. Os duzentos mil-réis, visto que o tabelião estava disposto a ajudá-lo, eram para uma necessidade urgente, - "tapar um buraco". E então relatou tudo, respondeu à franqueza com franqueza: era a regra da sua vida. Confessou que, ao tratar da grande empresa, tivera em mente acudir também a um credor pertinaz, um diabo, um judeu, que rigorosamente ainda lhe devia, mas tivera a aleivosia de trocar de posição. Eram duzentos e poucos mil-réis; e dez, parece; mas aceitava duzentos...
- Realmente, custa-me repetir-lhe o que disse; mas, enfim, nem os duzentos mil-réis posso dar. Cem mesmo, se o senhor os pedisse, estão acima das minhas forças nesta ocasião. Noutra pode ser, e não tenho dúvida, mas agora...
- Não imagina os apuros em que estou!
- Nem cem, repito. Tenho tido muitas dificuldades nestes últimos tempos. Sociedades, subscrições, maçonaria... Custa-lhe crer, não é? Naturalmente: um proprietário. Mas, meu amigo, é muito bom ter casas: o senhor é que não conta os estragos, os consertos, as penas-d'água, as décimas, o seguro, os calotes, etc. São os buracos do pote, por onde vai a maior parte da água...
- Tivesse eu um pote! suspirou Custódio.
- Não digo que não. O que digo é que não basta ter casas para não ter cuidados, despesas, e até credores... Creia o senhor que também eu tenho credores.
- Nem cem mil-réis!
- Nem cem mil-réis, pesa-me dizê-lo, mas é verdade. Nem cem mil-réis. Que horas são?
Levantou-se, e veio ao meio da sala. Custódio veio também, arrastado, desesperado. Não podia acabar de crer que o tabelião não tivesse ao menos cem mil-réis. Quem é que não tem cem mil-réis consigo? Cogitou uma cena patética, mas o cartório abria para a rua; seria ridículo. Olhou para fora. Na loja fronteira, um sujeito apreçava uma sobrecasaca, à porta, porque entardecia depressa, e o interior era escuro. O caixeiro segurava a obra no ar; o freguês examinava o pano com a vista e com os dedos, depois as costuras, o forro... Este incidente rasgou-lhe um horizonte novo, embora modesto; era tempo de aposentar o paletó que trazia. Mas nem cinqüenta mil-réis podia dar-lhe o tabelião. Custódio sorriu; - não de desdém, não de raiva, mas de amargura e dúvida; era impossível que ele não tivesse cinqüenta mil-réis. Vinte, ao menos? Nem vinte. Nem vinte! Não; falso tudo, tudo mentira.
Custódio tirou o lenço, alisou o chapéu devagarinho; depois guardou o lenço, concertou a gravata, com um ar misto de esperança e despeito. Viera cerceando as asas à ambição, pluma a pluma; restava ainda uma penugem curta e fina, que lhe metia umas veleidades de voar. Mas o outro, nada. Vaz Nunes cotejava o relógio da parede com o do bolso, chegava este ao ouvido, limpava o mostrador, calado, transpirando por todos os poros impaciência e fastio. Estavam a pingar as cinco, enfim, e o tabelião, que as esperava, desengatilhou a despedida. Era tarde; morava longe. Dizendo isto, despiu o paletó de alpaca, e vestiu o de casimira, mudou de um para outro a boceta de rapé, o lenço, a carteira... Oh! a carteira! Custódio viu esse utensílio problemático, apalpou-o com os olhos; invejou a alpaca, invejou a casimira, quis ser algibeira, quis ser o couro, a matéria mesma do precioso receptáculo. Lá vai ela; mergulhou de todo no bolso do peito esquerdo; o tabelião abotoou-se. Nem vinte mil-réis! Era impossível que não levasse ali vinte mil-réis, pensava ele; não diria duzentos, mas vinte, dez que fossem...
- Pronto! disse-lhe Vaz Nunes, com o chapéu na cabeça.
- Quer ver?
E o tabelião desabotoou o paletó, tirou a carteira, abriu-a, e mostrou-lhe duas notas de cinco mil-réis.
- Não tenho mais, disse ele; o que posso fazer é reparti-los com o senhor; dou-lhe uma de cinco, e fico com a outra; serve-lhe?
Custódio aceitou os cinco mil-réis, não triste, ou de má cara, mas risonho, palpitante, como se viesse de conquistar a Ásia Menor. Era o jantar certo. Estendeu a mão ao outro, agradeceu-lhe o obséquio, despediu-se até breve, - um até breve cheio de afirmações implícitas. Depois saiu; o pedinte esvaiu-se à porta do cartório; o general é que foi por ali abaixo, pisando rijo, encarando fraternalmente os ingleses do comércio que subiam a rua para se transportarem aos arrabaldes. Nunca o céu lhe pareceu tão azul, nem a tarde tão límpida; todos os homens traziam na retina a alma da hospitalidade. Com a mão esquerda no bolso das calças, ele apertava amorosamente os cinco mil-réis, resíduo de uma grande ambição, que ainda há pouco saíra contra o sol, num ímpeto de águia, e ora habita modestamente as asas de frango rasteiro.

sábado, 20 de setembro de 2008

Políticos Brasileiros




Análise de Capa:

Rafael Cerqueira

Essa revista Veja traz como tema de capa o escândalo do mau uso dos cartões corporativos do governo que ganhou espaço na mídia brasileira esse ano com a demissão da Ministra da Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro.

Muitos aspectos apontados mesmo que subjetivamente na capa fazem relações desse mal uso com o governo do PT e seus constituintes, como se eles fossem os únicos usuários desse cartão e também os únicos culpados. E são esses os aspectos que serão apontados nessa análise.

Primeiro o que mais chama a atenção é a forma como é tratada essa crise. Um cartão retorcido como se fosse um tapete mágico transportando um homem vestido como os personagens Aladim, ou Ali-babá. A forma como o cartão se encontra revela de certa forma a fragilidade do Brasil na questão política e social e o ou os personagens que estão sendo relacionados tem características que foram usadas como críticas aos políticos do PT. Aladim, uma figura aparentemente despreocupada e infantil e Ali-babá, um típico ladrão que se dá bem à custa dos outros.

Essa relação com o PT identificável por conta da presente estrela do partido no pano que cobre a cabeça do político. Apesar da aparente caracterização o terno que é esse associado à figura do político não é descartado, justamente para esse fato não ser descordado. O pé do político em cima do símbolo da Constituição Brasileira mostra a total falta de respeito tida por muitos políticos ao país, porém na revista isso é generalizado.

O fato de um homem público estar viajando pelo céu na capa, foi entendido como uma referência aos políticos que sabem e vêem tudo o que acontece de errado no país, mas não tomam nenhuma atitude para mudar, até pelo fato de estarem em posição privilegiada em relação aos outros, o que pode ser comprovado com a ligeira impressão dos braços cruzados do homem que na verdade estão apoiados um no outro como uma referencia aos personagens encarnados.

O fato da adoção desses personagens árabes, que são sobretudo festivos, é uma critica a forma de agir dos políticos brasileiros - nesse caso principalmente os petistas – que levam toda a situação como se fosse uma grande e interminável festa, o que realmente acontece, mas não de uma forma única, pois existem sim, muito políticos sérios e honestos no país, inclusive no PT, o alvo principal das críticas.

A letra em sim, juntamente com sua cor, forma e tamanho também exprime um significado em relação ao objetivo critico do texto. A frase de destaque “O Mundo Encantado Deles” aparece no texto toda composta por letras maiúsculas em vermelho. Maiúscula para expressar a grandiosidade do problema e vermelho, por ser uma cor ligada geralmente ao pecado, juntamente com o preto, usado logo abaixo, ligado a tudo o que é maléfico a sociedade em geral.

Uma coisa interessante e notável é contraste que surge entra a escolha das cores: vermelho e preto (ligadas muitas vezes ao inferno e ao próprio demônio) e ao espaço adotado na imagem, o céu. Leva a entender que ambos se entrelaçam assim como o bem e o mal que convive nos atos dos políticos.

Para terminar, também uma relação à frase de impacto citada acima. O mundo encantado, um mundo onde tudo é fantasia e tudo pode ser feito. Relação esta, feita com a capital federal, Brasília, um “mundo” onde políticos corruptos fazem o que bem entendem do dinheiro e da vida pública. A diferença é que alguns são punidos, logo depois “perdoados” é verdade, mas punidos.









Mente Masculina.Conseqüências Femininas

Há muito tempo atrás a mulher e tratada como um objeto, como uma “auxiliar” do homem. É claro que como o passar do tempo muitas coisas mudaram, as mulheres conseguiram um espaço maior, mas ainda em pleno século XXI elas continuam sendo tratadas como seres frágeis e incapazes de realizar certas atividades em relação aos homens.
Em qualquer lugar se pode notar a discriminação sofrida pelas mulheres. Comerciais de cerveja na TV as retratam como mercadorias que podem ser entregues com rapidez na casa dos compradores. Um dos poemas recitados na discussão do livro “Preconceito Contra a Mulher”, chamado “Drumundana” de Alice Ruiz diz assim: e agora Maria?O amor acabou, a filha casou, o filho mudou... Por que não poderias ser o contrário, a filha mudou e o filho casou. Nesse trecho é registrada uma relação de independência para o homem e dependência da mulher em relação ao mesmo.
Outra questão que merece destaque é a relação da mulher com o mercado de trabalho. Obviamente hoje elas são mais capacitadas que anos atrás e estão também deixando cada vez mais de serem “apenas” donas-de-casa e rumando para empregos diversos que abrangem várias áreas. Porém, apesar de em muitos casos elas exercerem sua procissão melhor que muitos homens, ainda continuam ganhando muito menos.
A violência contra a mulher é um ato completamente torpe que vai contra a qualquer indicio de decência de um ser - humano. Mesmo assim, muitos maridos, sobrinhos, e filhos espancam sem nenhuma preocupação suas mulheres, tias e mães em lugares totalmente inesperados. Como pode um filho machucar a pessoa que é a responsável pela sua existência, é uma coisa completamente ilógica.
Não se pode esquecer também que a violência física não é a única que a mulher sofre, violência sexual e principalmente verbal são muito comuns. O simples fato de ofender, caluniar uma mulher ou obrigar uma menina a fazer sexo contra a sua vontade é muitas vezes pior que um soco na cara ou um chute na barriga. É importante ressaltar que no Brasil de cada cinco mulheres, uma já sofreu algum tipo de violência física se for contar com os outros tipos de violência esse número aumentará ainda mais.
Falando em Brasil, é extremamente importante dizer que este é um país de homens altamente preconceituosos, que estacionaram suas idéias no milênio passado e passam para as novas gerações, que menino tem que ser “pegador” para ser homem de verdade, já as meninas devem ser “certinhas”, namorarem apenas depois de uma idade definida por eles e se for uma garota também, por que não “pegadora” corre o risco de ser mal-falada pelos outros.
Imagine uma pessoa que seja além de mulher, negra e pobre. Pense o que ela não deve sofrer. O que ela deve passar e enfrentar para viver o dia-a-dia sem abaixar a cabeça. E ainda tem gente que insiste em “proclamar” que a mulher é dependente de uma pessoa que está acima dela, seja nesse caso, um homem, um rico, um branco.
Enfim, apesar de tudo, é óbvio que essa situação permanecerá ainda por muitos anos, até se duvidar para sempre. Mas tudo na vida é incerto menos a morte, e as mulheres como já foi dito estão ganhando cada vez mais espaço. Então o que falta pra elas mostrarem para os homens o que é ser mulher de verdade? Falta que além do crescimento do espaço das mulheres cresçam também a mente dos homens e junto com ela a idéia de que independente de mulher, homem, negro, branco, índio, gordo, magro, enfim, acima de qualquer estado, antes de sermos qualquer coisa somos gente e se somos gente, somos todos iguais, não em físico, condição social, orientação sexual, ou sexo, mas sim em direitos e principalmente deveres.
Rafael Cerqueira

UM PAÍS CHAMADO BRASIL

Análise de jornal:

Matéria: “Brasil já é país de classe média”

Rafael Cerqueira

Segundo uma publicação divulgada pelo jornal eletrônico “Folha Online” o Brasil passou de um país de extremos, composto de pessoas muito ricas ou muito pobres, para uma nação que possui mais da metade da população na classe média.

Ainda, segundo a Folha, são dois os fatores principais para o aumento dessa classe: a melhora no nível de educação, com os alunos permanecendo nas escolas por mais tempo do que no início dos anos 90, e a migração de empregos do mercado informal para a economia formal.

Essa melhora da condição de vida do país pode ser anunciada também em outros fatos. O índice de desenvolvimento humano, por exemplo, O Brasil possui um IDH elevado, atualmente é o 70° da lista dos países com os maiores IDH COM 0.800 pontos numa escala que vai de 0 a 1. Outro indício também é a esperança de vida da população que atualmente é de 72,19 anos.

O Brasil, além disso, é um país muito rico, quando referido ao PIB, que a soma de tudo o que um país produz. Se encontra em 10° lugar no ranking geral, na frente de países mais ricos em termo de qualidade de vida como, por exemplo, Austrália,Itália, Espanha e Canadá.

Porém todos esses e outros dados contrastam, e muito com a realidade do país. Apesar de realmente possuir uma classe média crescente e um poder de compra maior, o Brasil ainda continua sendo “A Terra dos Contrastes”; pessoas muito ricas ainda “dividem espaço” com pessoas muito pobres, a educação ainda continua não sendo de boa qualidade na maioria das escolas públicas; a violência ainda continua atingindo autos níveis de preocupação e gerando cada vez mais vítimas.

Para se ter uma breve idéia da realidade, o Brasil foi considerado o 50° país mais violento do mundo numa lista que contém 140 países. Parece até ser mais violento, por tudo o que se vê por aqui, mas vá saber o que acontece em outros lugares do mundo.

O índice de alfabetização também traz uma informação negativa. Em uma avaliação de 176 países, o Brasil fica em 90°entre os países com maior índice de alfabetização, com 88.4% da população alfabetizada. Ficando atrás de países menos importante economicamente como México, Argentina, Croácia e Venezuela. Isso pode ser explicado, por conta do péssimo ensino oferecido aos estudantes de escolas públicas no ensino fundamental e principalmente ao grande número da população. Mas isso tem algumas controvérsias, a China, por exemplo, com uma população bem maior que a do Brasil fica dez posições a frente na mesma avaliação.

Uma outra coisa que merece ser destacada é a grande desigualdade social brasileira. Em 2005 o Brasil era o oitavo país mais desigual do mundo atrás apenas um país latino-americano e de seis países africanos. Esses dados nos últimos dois anos melhoraram, mas a posição do Brasil ainda não traz nenhum orgulho.

E impossível negar que o Brasil tenha evoluído nesses últimos anos no governo Lula, muito pelo contrário. O próprio aumento da classe média,assunto central da matéria, é uma prova disso. Pessoas estão saindo das classes D e E, partindo rumo a classe C, principalmente. As condições de vida e principalmente do poder de compra da população cresce rapidamente. Compras de essenciais e principalmente de supérfluos tem crescido consideravelmente nas classes mais baixas para a alegria do Capitalismo.

Mas também não se pode negar que todo esse alvoroço precisa ser repensado. Quantos e quantos anos mais “adiantados” poderíamos estar agora. Esse governo realmente foi um bom governo, mas e os outros? Quanto tempo perdemos com um Brasil dominado por uma minoria rica? Quantas favelas contrastam com grandes e imponentes prédios nos grandes centros?

Essas e outras perguntas feitas diariamente somadas a esses e outros índices apresentados a população permite-me perguntar agora a pergunta que queria fazer quando vi o título dessa matéria. Será que realmente podemos comemorar com isso vendo tantos casos de descaso com a população,tantos assassinatos,injustiças,greves,e tantas outras crises que parecem intermináveis? Bem, acho que não!

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O PORTUGUES EM MINHA VIDA

Memorial
Rafael Cerqueira

O português começou a fazer parte da minha vida na fase do Jardim da Infância e alfabetização. Atividades que hoje eu considero, “infantis” demais e até mesmo desnecessárias como cantar músicas com temas relacionados, pintar as letras com materiais diferentes e ouvir histórias formaram a base da minha relação com a língua portuguesa.

Saindo dessa fase e chegando ao ensino fundamental, novas coisas foram surgindo. Nada ainda era muito difícil, mas as coisas estavam começando a evoluir. Como tudo tem seus prós e contras, muitas regras foram surgindo, e junto com elas novas atividades, o que não foi ruim, o ruim mesmo foi eu começar a achar o português uma coisa extremamente chata e regrada.

Ditado de palavras, separação de sílabas, classificação de palavras, enfim. O português é muito abrangente, mas nessa idade eu acreditava que fosse uma matéria limitada e cansativa. Mas essencial, porque sem o português, como eu iria aprender a falar a minha própria língua?

A leitura só começou a fazer parte da minha vida de uma forma mais abrangente também no ensino fundamental, apesar de ter aprendido a ler um pouco antes. Os textos que liam eram adequados a minha idade, como por exemplo, a Turma da Mônica, que era uma leitura bem entretida e que até hoje leio algumas vezes os que guardo dessa época.

Até a quarta série do ensino fundamental, essa foi a maneira com que eu me dava com a língua português, nada com muitas preocupações e dificuldades. Muito pelo contrário, uma coisa bem fácil, e muitas vezes prazerosa através da literatura como já disse.

A partir da quinta série as coisas começaram a ficar um pouco mais complicadas. Até porque foi lá que eu comecei a perceber que o português de uma forma ou de outra é utilizado em todos ou outros ensinos, e também na vida, afinal, eu imaginava, como seria possível alguém viver no mundo de hoje sem ao menos saber ler ou falar direito?!

Nesse período, já um pouco mais ciente, eu comecei a me dedicar mais ao português, era estranho, porque ao mesmo tempo que ele evoluía não deixava de ser uma coisa simples, estava apenas se tornando mais exigente e isso exigia que eu o acompanhasse nessa evolução.
Outras séries do ensino fundamental vieram, novas regras surgiram, novas leituras apareciam, mas parecia que chegara a um ponto que eu não acompanhava mais essa evolução. Não deixava de entender o português como a escola exige, mas cada vez menos estava preocupado em atingir o verdadeiro português que é o que nos faz entender as coisas de uma forma geral, até porque a própria escola não oferecia condições para que isso acontecesse.

Foi nessa época também, mais precisamente no último ano do ensino fundamental que começaram a surgir às preocupações como o que fazer depois que terminasse o segundo grau que estava prestes a fazer. Uma faculdade era o objetivo principal, mas para chegar lá, o português era essencial, principalmente pelo fato da redação. Sempre gostei de escrever, mas a dúvida que eu tinha era se escrevia bem, se conseguia expressar bem as minhas idéias.

Confesso que nunca fui muito de ler bons livros ou belas poesias, o que eu me interessava em ler mesmo eram livros didáticos de geografia. Não que eu não gostasse de ler outras coisas, mas a própria falta de costume me faziam nem lembrar de outros textos, que poderiam ser até mesmo melhores.

A prova que fiz para entrar no CEFET foi um dos primeiros dos muitos momentos de disputa que terei. E mais que isso foi uma forma que tive para verificar o que achavam do que escrevia. Fiz a redação com uma segurança que eu não imaginava ter, porém com um pouco de medo, pois muitos já me disseram que eu escrevo demais, e temia que isso prejudicasse de alguma forma na redação.

Conseguindo o que queria que era passar na prova, uma nova faze da minha vida começou. E o português mais uma vez assumiu novas interpretações de minha parte. Senti a diferença absurda do novo colégio para o outro em relação principalmente no ensino, inclusive no português.

O hábito de ler se tornou mais freqüente, até porque a exigência era maior, para se ter uma idéia, em 2007 tinha lido apenas dois livros durante o ano inteiro, enquanto que esse ano, que ainda não terminou li entre oito e dez livros sem contar os inúmeros textos e poesias propostos. Sei que isso ainda não é suficiente, mas já foi um grande passo.

Creio que com isso, melhorei a minha forma de escrever e expressar minhas idéias. Melhorei também a minha forma de fazer relações do português com outros segmentos diversos. E descobri que o português e a literatura possuem várias formas de serem expostas e não só aquela coisa fechada e formal.


Enfim, foram anos e anos, pelos meus cálculos 10 anos de estudo do português desde o Jardim da Infância, bastante tempo aprendendo e também não aprendendo assuntos do português, regras foi o que não faltaram. E muitos anos ainda terei de estudo do português, mesmo na faculdade, pois como já falei, ele sempre estará presente, mesmo em alguma coisa que aparentemente não o envolva.

Mas mesmo com todos esses anos de estudo, parece que só agora eu consegui aprender que o português é mais que decorar regras e fazer ditados e sim ter capacidade de pensar de verdade o mundo de uma forma geral e coerente, sem influências.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

VIDAS NEGRAS

Rafael Cerqueira
Mote

"As feridas da discriminação racial se exibem ao mais superficial olhar sobre a realidade."
Glosa

Negros, raça especial;
Negros, cultura singular;
Vidas, aprisionadas por brancos;
Forças, reprimidas por grandes;
Sonhos, oprimidos por obstáculos.

Negros, discriminados por muitos;
Muitos que se prendem a regras;
Regras feitas, regras brancas;
Negros, admirados por poucos;
Poucos que se abrem a realidade.

Negros, vidas decididas;
Negros, vidas subjugadas;
Negros que pagam caro por isso;
Negros, que tem suas fés interrogadas.

Negros, sentimentos não-valorizados;
Negros, vontades não-realizadas;
Negros africanos, brasileiros, mundiais.

Negros, em comum, sentimentos;
Negros, em comum, preconceito;
Negros, em comum, sabedoria;
Negros, em comum, vidas.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O QUE FAZER?

Rafael Cerqueira

O Meio ambiente cada vez mais esta sendo alterado pela ação humana. Queimadas, superpopulação, lixo em excesso, desmatamento. Enfim, uma série de fatores estão sendo apontados como responsáveis por essa grave modificação. Porém, todos já sabem (ou quase todos) que quem provocou a crise que está sendo vivenciada é o próprio homem, o mesmo que aponta os problemas responsáveis.

Esses inúmeros problemas que poderiam ser evitados são conseqüências de anos e anos de exploração do Meio ambiente. Terremotos, ciclones, furacões, mudanças contínuas de temperatura são cada vez mais freqüentes e poderosos. Até mesmo lugares como o Brasil, antes apontados como seguros, como o “paraíso” estão sofrendo com alguns desses acontecimentos.

Mas antes de reclamar das conseqüências é preciso analisar o estopim, o motivo de tanto desequilíbrio. É sede de riquezas, de dinheiro. Muitos países usam e abusam da Terra como forma de prosperar. O choque causado pela poluição das grandes fábricas na atmosfera é aterrorizante, somando a outros quesitos, como a imensa frota de veículos diversos espalhados pelos quatro cantos do mundo e as próprias queimadas, resultaram no que hoje é conhecido como o tão famoso AQUECIMENTO GLOBAL que praticamente já “virou moda”. Aquecimento esse que é apontado como o causador das grandes catástrofes mundiais, atuais e as muitas que ainda virão.

Na cidade de Eunápolis, muito se fala sobre a instalação da Veracel e dos efeitos que ela tem causado no solo da região. Solo antes fértil, segundo muitos está ficando cada vez mais improdutível, além é claro da poluição. Mas é preciso ressaltar também que essa mesma empresa está aumentando consideravelmente a economia da cidade. Então o que fazer? De que lado ficar? Da economia ou da preservação do planeta? Do dinheiro ou da vida?

Bom, há muitos meios de conseguir dinheiro sem interferir tanto no meio-ambiente. Medidas como: produção de energia solar; eólica; substituição do óleo diesel de petróleo pelo o biodiesel; grandes “peneiras” para a “purificação” do ar oriundo das chaminés das grandes fábricas; reciclagem; entre outros, são muito requisitadas. Porém, de nada adianta tanta especulação e idéias sem uma verdadeira ação.

Enfim, é absolutamente preciso saber que a Terra é antes de mais nada nossa casa, nossa e das futuras gerações que estão por vir. Mas para que isso ocorra de forma natural, é preciso o quanto antes que haja atitude não apenas de alguns, mas de todos, ou pelo menos da maioria para não extinguir os estragos que serão provocados, pois isso já não é mais possível, mas para amenizá-los e para melhorar o bem-estar pessoal e coletivo e principalmente o bem-estar do planeta.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

DIFERENTES RAÇAS = DIFERENTES VIDAS


Rafael Cerqueira

A discriminação racial com o passar do tempo se torna cada vez mais comum e ao mesmo tempo cada vez mais dissimuladamente despercebida aos olhos das pessoas que a cometem. Porém as que recebem essa discriminação não esquecem que isso é uma coisa que acontece desde o período da escravidão sem uma verdadeira punição.
Em qualquer lugar pode – se perceber como a discriminação racial afeta uma sociedade. Um exemplo que expressa bem essa realidade é a questão das profissões. As mais “leves” e com melhor remuneração são ocupadas em sua grande maioria pela camada branca da sociedade. Ainda assim tem gente que insiste em dizer que discriminação racial não existe mais, que todos são iguais perante a lei. Mas se a própria lei não pratica essa igualdade, imagine os receptores dela! Aliás, esse é o grande problema das pessoas, a hipocrisia, a vontade de viver em um mundo em que elas mesmas não se esforçam em construir ou nem querem fazer tal coisa realmente.
Os problemas vividos pela sociedade se refletem nas decisões que ela mesma e seus líderes tomam. O descaso e a acomodação dos mais favorecidos (que geralmente são brancos) diante dos problemas, acarretam no desespero e na preocupação, constantes na vida da população pobre que possui uma mistura de raças maior. Essa falta de esperança leva muitas pessoas a cometerem crimes. Está aí mais uma característica da diferença de raças. Os crimes mais escancarados como os roubos, são cometidos em sua maior parte pelos pobres, negros e mulatos, que são punidos com rigor. Já os indivíduos brancos e de melhores condições ficam com a parte mascarada do crime, como estelionatários ou como mandantes dos crimes escancarados entre outros exemplos, e são mais difíceis de receber punição, isso quando recebem.
Enfim, a discriminação é muito vivida por uns e motivo de estranheza para outros. Mas todos no fundo sabem reconhecer as origens e conseqüências desse fato tão comum à sociedade, afinal, as feridas da discriminação racial se exibem ao mais superficial olhar sobre a realidade.

domingo, 13 de julho de 2008

As mil faces do pensamento

Rafael Cerqueira

Pensar é um dos atos mais profundos e particulares do homem. Pensar é evoluir e ao mesmo tempo saber se controlar. É elaborar as mais improváveis das idéias. É ocultar as opiniões mais sórdidas do próximo. Pensar é contribuir de forma discreta para a evolução da sabedoria humana. Pensar é expor, quando necessário, suas opiniões. Pensar é ser acima de tudo coerente e ao mesmo tempo incoerente.
Existem dois tipos de pensamento. O bom que já foi detalhado acima e o ruim, que mesmo sendo mascarado, acaba marcando a vida intelectual, física e principalmente espiritual de alguém. Quando isso acontece, o melhor a ser feito é deixar transparecer os pensamentos alojados na cabeça, na alma e no coração.
Quem pensa tem maiores possibilidades de vencer. E quem, além de pensar, exibe seus pensamentos, tem chances maiores ainda. Isso quando essa exibição for feita de uma forma drenada. Quem não pensa não influi em nada na sociedade, por não ter capacidade para fazer tal coisa. Um exemplo disso são as pessoas que vivem se queixando da vida. Será que elas já pararam para pensar os motivos que levaram as vidas delas a ficarem daquele jeito? Será que elas já pararam para pensar o que fazer para mudar essa situação? É muito provável que não.
Enfim, conclui-se que pensar não é um mero fenômeno da humanidade. Pensar não é apenas imaginar. Pensar é ter uma vida interior interligando-se a vida exterior de um ser humano. É aprender e poder usufruir de sua aprendizagem em uma espécie de compartilhamento intelectual. Afinal o pensamento não é mais uma surrealidade dos tempos modernos. Mas sim uma espécie de coadjuvante essencial da vida humana.